O mundo das assinaturas: conhecendo a Economia da Recorrência

O mundo das assinaturas: conhecendo a Economia da Recorrência

Até pouco tempo atrás, para assistir um filme em casa tomando um bom vinho era necessário ir até uma videolocadora e a um supermercado. Hoje em dia, isso mudou um pouco. As videolocadoras estão extintas, e, no supermercado, nem sempre encontraremos um vinho diferente do que estamos habituados a comprar. No lugar destas duas atividades, surgiram as possibilidades de assinatura, tanto dos filmes quanto dos vinhos (e como veremos, de diversos outros produtos e serviços). No caso dos filmes, existem algumas opções de plataformas de streaming, na qual disponibilizam seus acervos com inúmeros títulos. Já no caso dos vinhos, é possível fazer a assinatura de um “Clube de Vinho”, no qual, periodicamente, o assinante receberá na porta da sua casa uma caixa com novos rótulos. Novos tempos chegaram.

Quando pensamos neste modelo de assinatura de produtos e serviços, tradicionalmente pensava-se nas assinaturas de jornais e revistas ou de canais de televisão. Antes disso, antes mesmo da Revolução Industrial, já existia o modelo de vendas de alimentos como pão e leite, entregues rotineiramente na porta das pessoas, que pagavam apenas no final do mês. Não há um consenso sobre o surgimento deste movimento. Alguns dizem que a empresa pioneira foi a Salesforce, empresa que passou a oferecer, em 1999, seus softwares no modelo SaaS (software como serviço), que ao invés da instalação na máquina, passou a ser acessado remotamente. Mais recentemente, passaram a ser oferecidos os mais diferenciados tipos de assinaturas: filmes, música, bebidas, alimentos, roupas, brinquedos, flores, carros, livros, acessórios para pets, e por aí vai. Assim, o cliente passa a pagar pelo acesso, e não pelo produto. Podemos chamar esse novo movimento de experiência como a Economia da Recorrência.

A principal mudança da economia da recorrência para o modelo tradicional de relações comerciais entre consumidores e empresas é o fato dela se basear principalmente no acesso, e não na propriedade. Troca-se a “Compra única” pela “Assinatura”. Os contratos tradicionais, período de carência e a propriedade foram substituídos por um modelo que foca na renovação periódica e de acordo com as necessidades do cliente. O nome “Recorrência” vem justamente do fato do cliente pagar recorrentemente pelo produto ou serviço ao qual está recebendo, como se fosse uma assinatura ou um aluguel pelo uso.

Just in Time

No início da década de 1950, no Japão, surgiu um conceito que acabou revolucionando a gestão de empresas em nível global. Trata-se do Just in Time, uma proposta de reorganização do ambiente produtiva, criada pela Toyota, focada na eliminação do desperdício e do melhoramento contínuo dos processos de produção. Basicamente, o Just in Time inicia a produção a partir de um pedido, produzindo em cada etapa apenas o necessário, evitando estoques excessivos e desperdícios.

No livro “A Era do Acesso”, o autor Jeremy Rifkin apresente a ideia da Economia da Recorrência como uma transição da propriedade para o acesso just in time de bens e serviços.

O que muda para os Negócios?

Do ponto de vista dos negócios, a Economia da Recorrência possibilita uma maior simetria na forma como os recebimentos são feitos. No modelo tradicional, o negócio acaba tendo seus picos de faturamento quando novos contratos são feitos ou de acordo com fatores que geram a sazonalidade do negócio (feriados, clima, moda). Por conta disso, a gestão financeira sempre precisou ser impecável para administrar bem o dinheiro que, muitas vezes, era pago de uma única vez, mas que, deveria ser suficiente para pagar os custos de um período maior. Os altos e baixos, nestes casos, acabam sendo inevitáveis.

Num modelo de recorrência, dilui-se o pagamento dos clientes ao longo de todo um período, e, de certa forma “obriga” o cliente a comprar ou contratar o que é oferecido. O cliente não chega a pensar se quer comprar um livro ou não, já que, como ele assina o clube do livro, ele já tem o crédito lançado automaticamente na fatura do seu cartão e receberá os livros todo mês em sua casa. Com isso, aumenta-se a previsibilidade de receitas. O estabelecimento sabe que não receberá do cliente apenas se ele cancelar a assinatura. E, como o foco da economia de recorrência é a escala, dilui-se vários dos gastos (para isso, reforça-se a importância de levantar os indicadores de custo médio de aquisição e ticket médio). O foco passa a ser o relacionamento de longo prazo, contribuindo, assim, com uma maior fidelização por parte dos clientes.

A criatividade é muito bem-vinda para a criação de novos produtos ou serviços que possam ser comprados pelo modelo de assinatura. Hoje, parece óbvio para os produtos e serviços que já existem nestas formas, porém, quando criados, o processo de disruptura foi enorme.

Porém, a empresa precisa se estruturar para atender este aumento de demanda. Mais do que isto, neste modelo de negócio, deve-se focar ainda mais no conceito de experiência do usuário, com diferenciais e qualidade, para que o cliente não pense em cancelar a assinatura ou trocar por alguma outra. Por isso, deve-se acompanhar friamente dois números: o indicador chamado Churn, que é a taxa que indica o número de cancelamentos, e o indicador chamado NPS (Net Promoter Score), que representa o índice de satisfação dos clientes.

Além disso, se a estabilidade financeira tende a ser mais forte, por outro lado, deve-se gastar energia com a gestão dos recebimentos. Para facilitar neste trabalho, softwares chamados de ERP recorrente acabam sendo boas opções.

O que muda para o consumidor?

Do ponto de vista do consumidor, o modelo de economia de recorrência acaba trazendo algumas praticidades, como o acesso a produtos e serviços atualizados, conforto e menores burocracias. Na grande maioria dos casos, a assinatura é feita via cartão de crédito. Dessa forma, o cliente não precisa se preocupar todo mês em pagar o boleto ou fazer a transferência, já que, automaticamente, o lançamento aparecerá na sua fatura.

Porém, a mesma praticidade que pode ser vista como algo favorável, pode acabar sendo um incentivo a gastar mais. Como a assinatura costuma ter uma mensalidade que “cabe no bolso” e é debitada automaticamente, muitas vezes o usuário não está vendo o quanto está gastando. Várias assinaturas que parecem baratas, ao serem somadas, podem representar um volume considerável de gastos no mês.

Como exemplo, digamos que uma pessoa inicialmente gastava R$ 200 por mês no serviço de TV por assinatura. Com o surgimento das plataformas de streaming, o indivíduo resolveu cancelar a TV por assinatura e assinar apenas essa modalidade. Inicialmente, era uma única plataforma, com valor mensal de R$ 59. Porém, outras plataformas foram surgindo, distribuindo o conteúdo entre elas. Cada série de interesse dessa pessoa acabou indo para uma plataforma, fora a plataforma contratada para assistir esportes. No final das contas, o indivíduo acabou tendo em sua fatura de cartão de crédito, os seguintes lançamentos:

Dia Lançamento Valor
1 Streaming A  R$    59,00
5 Streaming B  R$    39,00
10 Streaming Esportes  R$    99,00
15 Streaming C  R$    29,00
30 Streaming D  R$    29,00
Total  R$  255,00

 

No final das contas, esta pessoa passou a ter um gasto R$ 55 maior do que tinha antes. Porém, pelo fato dos lançamentos aparecerem separados na faturo, em meio a todos os outros gastos, muitas vezes acaba-se passando batido que este gasto aumentou. Em um mês, o gasto aumentou em R$ 55, em 1 ano, R$ 660.

É importante não deixar a praticidade gerar gastos maiores. É muito comum pessoas assinarem serviços e produtos, porém, não conseguirem utilizar com frequência, o que acaba gerando um gasto “à toa”. A inércia acaba aparecendo nestes casos, pelo trabalho parecer ser muito maior em solicitar o cancelamento ao invés de continuar pagando. É ai que aparece a frase “vou manter a assinatura porque depois vou usar”.

Ou seja, avalie de tempos em tempos se você está realmente utilizando o serviço e se este está valendo a pena. Acompanhe os reajustes de preços e compare os gastos consolidados com o o que foi planejado em seu orçamento.

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