Advogados alertam para armadilhas do mercado financeiro

Advogados alertam para armadilhas do mercado financeiro

Especializados no mercado financeiro, os advogados Rafael Mortari e Adilson Bolico, do escritório Mortari Bolico, alertam os investidores sobre armadilhas que, ao invés de gerar rentabilidade, costumam causar prejuízos e, em algumas situações, até mesmo o endividamento. E os casos de pessoas prejudicadas vem aumentando na mesma medida que cresce a quantidade de investidores na Bolsa de Valores. Segundo a B3, em 2021 eram pouco mais de 3 milhões de CPFs cadastrados e, até o fim de 2023, já eram cerca de 5 milhões.  

E eles não se referem a pirâmides financeiras ou outros tipos de golpes dados por criminosos. As armadilhas em questão abrangem operações e produtos financeiros reconhecidos pelos órgãos reguladores e normalmente têm o envolvimento de alguma corretora. Os casos mais comuns incluem investimentos nos chamados Certificados de Operações Estruturadas (COEs), mas o escritório também atende clientes que foram prejudicados por “mal” aconselhamento de assessores financeiros como, por exemplo, investir alavancado em produtos de renda variável de alto risco. 

Os COEs são produtos com características muito complexas, de difícil compreensão por parte do investidor leigo. Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) publicada em 2021 mostra que 90% dos 284 COEs estudados no período entre 2016 e 2020, apresentaram rentabilidade abaixo do esperado ou não renderam nada. Então, se os produtos são ruins porque os corretores oferecem a seus clientes? Segundo Rafael Mortari, os investidores, neste caso, são vítimas do “conflito de interesse” que envolve o produto.

“O COE oferece baixa ou nenhuma rentabilidade, mas garante um grande ganho para a corretora/banco e uma boa comissão para o escritório/assessor que vendeu o COE. Um percentual maior do que outros tipos de investimentos. Então, imagine alguém que tenha R$ 1 milhão para investir e o emissor ou intermediário na venda do COE paga 5% de comissão para o assessor. São R$ 50 mil na conta de quem vendeu o produto”, explica. 

O pior é que o produto não possui liquidez, só pode ser sacado ao fim da operação que pode durar alguns anos, dependendo do COE e muitas vezes um saque antecipado pode acabar fulminando o patrimônio investido com descontos de toda ordem. Se for retirado antes do prazo, o prejuízo é alto não só por causa de taxas administrativas, mas porque a indexação que é realizada é muitas vezes inalcançável, conforme revela o estudo da FGV. Na maioria dos casos, mesmo quem cumpre o contrato e só faz o saque ao término da operação, o máximo obtido (nas situações mais comuns) é o capital de volta, sem rentabilidade ou com rentabilidade de poupança.  

Mortari conta sobre um dos inúmeros casos que seu escritório tem recebido, em que a perda com COE foi extrema. Trata-se de um empresário do Rio Grande do Sul de perfil conservador, que investia apenas em CDBs e nada entendia de mercado financeiro. Até que um dia, em uma roda de amigos, disseram que ele estava perdendo dinheiro e apresentaram a ele um assessor de investimentos da Ável Investimentos, corretora credenciada à XP Investimentos. Convencido de que seria melhor, ele transferiu todo o capital dos CDBs, R$ 3 milhões, para a corretora e, na distribuição da carteira, o assessor colocou 88% em COEs. “O que é estranho porque a própria XP aconselhava a investir, no máximo, 10% do patrimônio em COE”. Como se não bastasse, ele convenceu o empresário a obter empréstimo para investir alavancado. Confiante, a vítima levantou R$ 6 milhões que foi, na totalidade, investido em COEs. 

“Se ele fosse resgatar hoje, considerando o que já teve de pagar de juros, a performance dos COEs e a multa que tem de ser paga por resgate antecipado, ele sacaria apenas R$ 400 mil. Porém, se deixar para sacar na data contratual tudo piora, pois ele ficará devendo R$ 500 mil ao final do período. Mas quando o assessor vendeu os COEs, disse que o empresário resgataria entre R$ 12 milhões e R$ 25 milhões”, conta. 

O cliente, no caso, não assinou contrato algum. Ele foi instruído pelo assessor a fazer tudo por meio da notificação push do aplicativo da corretora. “Basicamente, o patrimônio dele foi arruinado por uma operação orientada ativamente por um assessor de investimentos. E a tendência é que aumente muito o número de vítimas porque a recomendação por este produto só cresce”.

Segundo dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), o patrimônio líquido dos COEs aumentou 530% em sete anos. Em 2015, o valor distribuído em COEs era de R$ 6,6 bilhões e no final de 2022 estava em R$ 42 bilhões. 

Outros casos  

A Mortari Bolico também trabalha em casos que o investimento não é o COE, mas que o assessor de investimentos intermedia operações alavancadas com ações e derivativos, ou seja, usando “dinheiro emprestado” – as chamadas margens – com a promessa de que a estratégia aumentará os ganhos.  

As próprias corretoras oferecem uma margem de crédito para além daquilo que a pessoa tem investido. Por exemplo, se o investidor conta com R$ 100 mil alocados, ele poderia pegar emprestado mais R$ 100 mil para aplicar em outros ativos ou no mesmo ativo, com a finalidade de ter um ganho maior. Isso é possível porque o montante alocado serve como garantia do crédito. 

O problema é que pessoas sem a devida instrução entram nesse modelo de investimento sem ter a compreensão sobre os riscos existentes. Adilson Bolico conta um dos tantos casos que tem atendido, um cliente, grande empresário atacadista do interior de São Paulo, que investiu alavancado nas ações da Marfrig. Para tanto, ele ofereceu ações da Americanas como garantia. Mas, no início do ano os papéis da empresa se desvalorizaram em mais de 80%. Como a garantia perdeu valor, ela ficou insuficiente para cobrir a outra operação feita nos papéis da Marfrig baseada em empréstimo. 

“Daí a primeira armadilha. Por determinação da CVM, a corretora tem de avisar que a garantia se tornou insuficiente e que, por isso, o investidor tem de cobrir. Mas esse cliente não foi avisado pela XP. O risco dele foi crescendo até que estourou. E estourando disparou automaticamente o gatilho da zeragem, permitindo que a XP vendesse todos os ativos dele com grande deságio para cobrir o rombo. Isso gerou prejuízos irreversíveis ao investidor que possuía aplicações com liquidez em outras instituições e poderia cobrir a insuficiência de garantia e só não o fez por não ter sido devidamente informado”, explica o advogado. 

Adilson Bolico fala sobre outra armadilha que, desta vez, prejudicou um investidor da capital, São Paulo, que já pagou, segundo apuração preliminar, em torno de R$ 10 milhões à XP somente em taxas nos últimos anos. Neste caso, a XP supostamente emitiu um documento chamado “Contrato de Investimento Ampliado”. O contrato possibilita que, havendo queda no valor do recurso dado como garantia, a corretora, ao invés de realizar uma zeragem compulsória, empreste dinheiro para cobrir a diferença até que o cliente cubra o rombo. Só que grande parte dos investidores sequer sabem da existência deste contrato. Além disso, para além dos encargos deste “empréstimo” sem autorização, sempre que a conta do cliente acaba ficando negativa por uma ampliação do risco nas operações que possui, a corretora cobra multas de 1% ao dia enquanto o investidor não resolver a situação. 

Da mesma forma, ele não foi devidamente alertado. E a corretora justifica dizendo que evitou perda maior ao cobrir a operação. “Vira uma bola de neve. Se o investidor for do tipo que confia e deixa na mão do assessor, até descobrir o que está acontecendo, perde muito dinheiro. Na hora de oferecer o produto, a corretora liga, manda Whatsapp, faz call, todo um barulho, mas na hora de alertar é aquele e-mail único, quando é enviado, que se perde na caixa de entrada. E já notamos que se trata de um comportamento padrão das corretoras”, comenta. 

Segundo Bolico, há casos em que o assessor, comprometido com sua função e com o patrimônio do investidor, avisa e age nestes casos, por ser bem-preparado e intencionado. Mas é comum que alguns façam vista grossa porque a corretora está lucrando com a situação. Para o advogado, estas situações derivam de falhas na formação tanto do investidor quanto do assessor de investimento.  

Quem investe deve se preocupar mais em obter informações, conhecimento sobre as operações e ficar atento aos contratos ou à falta deles. Os assessores precisam de melhor preparo para atender seus clientes ou mesmo um trabalho de educação voltado para a ética profissional. “Quando há conflito de interesses, o assessor ou a corretora pensarão nos seus lucros, mais do que no cliente. Por isso o investidor não pode confiar cegamente em terceiros”.

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